A Canção do Mar Morto.
Ainda ouço o chiar e ressoar do vento, embaindo minhas
reflexões.
Os embustes de palavras e gestos, miragens perdidas me vêm
em abundância.
Ainda ouço a cação da garoa mimosa, trazendo a meus pulmões
o sal de tais causos.
Os deleites antes corriqueiros, hoje me são negados por
ausência de afeto.
Ainda ouço a melancólica partitura, do pulsar do peito
inflado em ternura.
Ondas cinzentas chacoalhando memórias inibem-me a
concentração diária.
Ainda vejo a folha cair, entretanto a mão que a guia se
obscureceu.
Retalhos de um paradoxal personagem empilham partes de seu
texto lúgubre.
Ainda ouço o brado feroz, de profusos alertas de aflições
pretéritas.
Ainda ouço, mas não os escuto.
Ainda sonho, mas não as vislumbro.
Ainda sinto, mas não regozijo destes.
A Canção do Mar Morto me atingiu, e caído eu permaneço.
Ainda que a deriva me sinta, acorrento-me a ela com
alacridade temerosa.
Aceito o que acredito ser credor, anseio que tortuosa
expiação seja digna de tal melodia.
Marretam-me os brios de uma sentinela velada, e a personagem
toma-me a voz, vida e medo.